Imaginária
a palavra em pólvora
acende um clarão.
Ordinária
a palavra-pólvora
contesta a criação.
Temerária
a palavra pólvora
lembra destruição.
Incendiária
a pólvora da palavra
entra em combustão.
David Henrique
A
cidade de Belo Jardim, situada no agreste pernambucano, guarda bem mais do que
jardins bonitos. A terra, berço natal do cantor Otto, traz em si um título:
cidade dos músicos. E esse nome não foi dado à toa: um grande número de
habitantes é ligado ao meio musical. Desde mestres, como o maestro e compositor
Professor Ulisses – que no dia 22 de Novembro de 2014 completaria 101 anos de
idade – o maestro Vavá Vieira, da centenária Filarmônica São Sebastião, a
jovens prodígios como Carlos Eduardo do saxofone, que já participou do Programa
Raul Gil, a cidade é repleta de talentos.
David Henrique Nunes de Lima, também
conhecido como Biriguy, faz parte da nova geração de músicos e artistas
belo-jardinenses. Nascido no dia 3 de Setembro de 1995, e com apenas 19 anos, ele
não apenas canta, toca e compõe: ele escreve poemas. Estudou no Instituto
Federal de Pernambuco, no campus da cidade natal. Iniciou sua vida literária
aos doze anos, quando começou a recitar poesia. De leitura, ele então passou a
escrever, e seus poemas, ditos sem cabrestos, sem formas pré-moldadas e sem
regras, ganharam vida no papel.
Assim como um casulo que se prepara
para desabrochar numa borboleta, seus poemas, antes conhecidos apenas por
amigos, já foram publicados em diversos concursos literários. Esses poemas possuem
uma dimensão ontológica e trazem nas entrelinhas uma forte visão crítica da
sociedade estratificada, narcisista e impregnada pelos interesses das classes
dominantes. David Henrique faz flutuações entre poesia e o desapego do ser, do
querer e do sentir. A métrica, também, é inovadora, como explicada no próprio
título de seu segundo livro artesanal publicado: Poemas sem Cabrestos, sua
primeira publicação foi virtual, o “Útero de retratos mundanos” editado pela
editora Castanha Mecânica está disponível à venda pelo site do Amazon. Em “Poemas
sem Cabrestos”, não há nada que os segurem, as linhas dançam no ritmo do poema,
resultando em uma desordem do paradigma imposto pelas escolas literárias.
O erotismo e a lascívia também estão
presentes. Ele fala dos ímpetos poéticos como explosões, como um orgasmo.
Biriguy também explora a sensualidade das palavras, o sabor que cada sílaba
possui, sua pronúncia e seus muitos significados. Assim, juntando o erótico, ao
falar das relações humanas, e o poético – muitas vezes direto, rude – ele
causa, como em suas próprias palavras, uma “verborragia”, uma hemorragia das
palavras no leitor.
Sua poesia traz críticas não somente
locais, mas da sociedade como um todo. Tomando como exemplo dois de seus
poemas, veremos claramente a insatisfação com o comportamento humano diante das
redes sociais e das tecnologias. No primeiro, ele escreve: “De tanta pose,
viver parecia fotografia.”. No segundo, intitulado Contrastes de Infância, ele
profere: “Filhos de camponeses/ afagam pássaros/ no Tibete. / Filhos de
governadores/ alisam fotos/ no tablete.” É visível a construção de figuras de
linguagens, o paradoxo camponês-governador, e a hegemonia do comportamento das
pessoas quando postas em contato com as redes sociais. Sempre a mesma forma de
agir e de ser.
Mesmo tão jovem, Biriguy já possui
os direitos do selo editorial independente Lara Cartonera, que surgiu através
de uma oficina de produção de livros artesanais acontecido no IFPE – Campus
Belo Jardim, no fim de 2013. O selo possui uma proposta de reciclar papelão, no
intuito de produzir capas de livros e publicar novos autores de Belo Jardim e
região que não têm acesso às editoras convencionais. Esse trabalho oferece
também uma forma simples, criativa, sustentável e de baixo custo para a
divulgação dos trabalhos dos artistas locais.
Como
artista multifacetado, Biriguy também canta em algumas bandas. Sempre de caráter
muito universal e experimental, suas músicas transitam entre o samba, rock,
folk, salsa, ska e até blues. Seu trabalho de maior projeção no âmbito regional
é o Virgulados, banda que contabiliza várias apresentações em Festivais
Culturais, Conferências de Cultura, Eventos Alternativos e Festivais Literários,
muitos deles acompanhados pela mídia televisiva local.
Em maio de 2014, o Virgulados foi
convidado para participar do FIP (Festival Internacional de Poesia do Recife)
junto com Pierre Tenório, outro poeta/performer/compositor
belo-jardinense. Esse encontro resultou
em um show chamado Universons, composto por músicas e poemas de ambos artistas,
o que causou grande impacto na capital pela inovação e multimusicalidade e
visceralidade poética apresentada. Desde então os dois trabalhos se uniram e
têm feito várias apresentações em Pernambuco, como no Festival de Inverno de
Garanhuns de 2014, na praça da palavra, tendo várias críticas positivas pelo
público.
Atualmente,
Biriguy deu início a um novo projeto musical, juntamente com Pierre Tenório e alguns músicos do projeto
Universons. Esse projeto, denominado
“Desencontrários”, tem seu nome vindo do poema de Paulo Leminski de título
homólogo, e tem, também, como objetivo, traduzir a harmonia entre poesia e
música. Eles recitam poemas de forma cantada, as vozes de Biriguy e Pierre
entrelaçam-se, dançam, sendo a primeira mais grave em contraposição dos agudos
da segunda.
Mas
se engana que pensa que toda essa trajetória é acompanhada pelo poder público
municipal, pois o grupo mesmo em fase de ascensão, não é convidado para fazer
shows em sua terra. Como o próprio Biriguy descreve em um de seus poemas, “Cresci
por entre as flores dos jardins desta cidade, / plantei minhas sementes nos
canteiros da cidade, / estou me construindo sob o chão desta cidade, / estou dilacerando a visão desta cidade.”
ele deixa explícita sua revolta com a ausência de fomento cultural do poder
público numa cidade com tantos artistas em crescimento. Isso, porque, uma
cidade dita “de músicos”, não possui programas voltados à música, nem o estímulo
a artistas nas suas mais diversas manifestações.
Portanto,
vemos nos poemas, nas músicas e na vontade de Biriguy uma voz em nome de tantos
outros que veem suas oportunidades encarceradas pela falta de investimentos. O
“Arte no Parque”, projeto independente de Biriguy e do DJ Mecinho Groove para
apresentar as obras de artistas locais e regionais, da mesma forma do “Rock na
Praça” de Flávio Henrique e amigos, que visa dar espaço para as bandas de rock
da cidade e região, são exemplos da indignação dos habitantes de Belo Jardim,
que andam sedentos de cultura. Afinal porque, como o próprio Biriguy diz,
“viver de aparência é amputar a consciência”.
Michelle Nogueira
Fontes:
Livro
“Poemas sem Cabrestos”, de David Henrique.
Fanpage do Virgulados: https://www.facebook.com/Virgulados
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